segunda-feira, 25 de março de 2024

Calçadas x Expobel

Se você foi a Expobel provavelmente percebeu que muitas pessoas caminhavam em meio às ruas de entorno do Parque de Exposições, a todo horário, sobretudo no período da noite, antes dos shows. Mas se você reside ou passa por aquela região, também já deve ter percebido, do mesmo modo que em várias outras partes da cidade, que é necessário caminhar pelas ruas. Não existem calçadas de forma contínua, o que leva o pedestre a permanecer constantemente na rua. Recortamos de forma amostral uma área de 30 quadras próximo ao referido parque. Se todas ruas amostradas tivessem suas devidas calçadas construídas, teríamos uma extensão total de 14,4km de calçadas, enquanto que encontramos 7,9km (54%), sendo que destes, 52% possuem piso tátil e 47% são vários outros tipos de pisos como lajotas e cimento. O mais grave é que desses 7,9km de calçadas, muito pouco é conectado, com vários tipos de obstáculos, como rebaixamento para entrada de veículos, árvores, postes, jardins, lixeiras, carros estacionados, etc. Tanto é que o maior segmento contínuo presente nesse levantamento, independente do tipo de piso, foi de apenas 170 metros. Ainda supondo com uma realidade em que 100% dos locais tivessem suas calçadas e estas fossem representadas por linhas contínuas, teríamos uma totalidade de 36 linhas, mas o levantamento mapeou 321 pedaços de linhas onde existe algum tipo de calçada. Por isso o tamanho médio das extensões de calçadas de todo levantamento foi de apenas 24 metros em toda área. Isso demonstra, além de uma exposição ao risco real dos pedestres dia a dia, que precisam disputar espaços da via com veículos, uma propaganda negativa da nossa infra-estrutura básica diante dos milhares de visitantes de outras cidades que por ali tiveram que andar a pé no meio das ruas nos dias da Expobel.

quarta-feira, 6 de março de 2024

'Não foi acidente'

Aquilo que aprendemos a chamar de ‘acidente de trânsito’ ao longo do tempo, em muitos casos não é, ou não foi. Acidente é qualquer eventualidade inesperada e que como consequência, gerou algum tipo de dano, por isso o nome atualmente recomendado pela ABNT é SINISTRO. Então, na verdade, por trás de um evento de trânsito em que algum dos envolvidos infringiu uma ou mais das várias normas pré-determinadas legalmente, teoricamente não podemos considera-lo como ‘acidente’, tendo em vista que cada norma, ao não ser respeitada, é considerada uma infração, justamente por que a sua prática pode gerar ou potencializar as situações que chamamos de ‘acidente’ e teoricamente os envolvidos tem conhecimento prévio sobre as mesmas. Portanto, muitas vidas perdidas, mais as infinitas sequelas produzidas sobre o asfalto das cidades e rodovias, poderiam ter sido evitadas. E assim como aprendemos erroneamente a chamar todo e qualquer colisão, atropelamento, capotamento, quedas, etc, de ‘acidente’, também nos reduzimos, junto com as autoridades, a apenas discernir quem estava certo e quem estava errado, poucas vezes buscando razões técnicas, além das razões humanas, como a imprudência e o erro, por exemplo. Nesse sentido, às vezes por falta de prioridade no direcionamento dos recursos das gestões públicas e por vezes devido ao lamentável desconhecimento dos gestores e do seu corpo técnico, as cidades não buscam respostas para os ‘acidentes’ de trânsito para além do não respeito as normas, nem mesmo criam estruturas físicas necessárias para redução ou eliminação dos ‘acidentes’. Mesmo havendo toda sinalização adequada de velocidade máxima permitida ou de via preferencial, por exemplo, associado a constante campanhas educativas, sempre teremos cidadãos que em algum momento, não respeitarão as normas, por motivos diversos e poderão gerar um ‘acidente’. A exemplo de um cruzamento qualquer que possui um histórico de ‘acidentes’, como sabe-se que dificilmente chegará a zero o número de pessoas que não infringirão qualquer norma, precisamos, de algum modo, garantir que quando houver o erro, a desatenção, a negligência ou a imprudência, os danos gerados por esse ‘acidente’ sejam menores ou inexistentes. Esse princípio vale para inúmeras técnicas e estruturas das vias que visam não necessariamente eliminar qualquer possibilidade de ‘acidente’, como redutores de velocidade, lombadas, e demais sinalizações, mas reduzir os danos, quando ele acontecer. Resumindo, as vias precisam oferecer mais do que somente sinalização para orientar os usuários, mas também de intervenções físicas em determinados locais com intuito de reduzir os riscos ou os danos causados pelos supostos ‘acidentes’. Mas consequentemente, intervir nas vias de modo a acalma-las ou torna-las mais seguras e completas para todos modais, pode comprometer a velocidade e fluidez de veículos, o que desagrada muitos usuários motorizados, no entanto, a pressa de ninguém pode ser mais importante que a vida.

segunda-feira, 4 de março de 2024

AUTONORAMA

É nítido para qualquer um que as ruas andam abarrotadas de veículos em nossas cidades, mas você sabia que já em 1920, a indústria automobilística americana já se preocupava com uma possível saturação de ruas e dos carros como bem de consumo? E que diante do crescimento de pedestres feridos, se organizava em campanhas para dar prioridade aos motoristas nas ruas? Desencorajando os pedestres, os transferindo a culpa, com um discurso cientificista de desmonte do transporte público coletivo, como aconteceu com os bondes nas grandes cidades do século XIX e consequente multiplicação dos automóveis, na falsa promessa do transporte confortável, onipresente, eficiente, acessível, seguro, de status e de velocidade. Certamente também não sabemos sobre a montanha de dinheiro, inclusive público, que desde essa época, foi exclusivamente destinada a alimentar tal ilusão futurística de atender o transporte, por meio do carro, das avenidas, das estradas e dos destinos cada vez mais distantes nas cidades. Ao longo de todo esse tempo, com diferentes níveis de ‘tecnologia ou eletrônica embarcada’, a indústria foi mantendo o consumidor, cada vez mais insatisfeito e de propósito. Essas informações ou abordagem sobre esse fenômeno estão compiladas num recente livro traduzido ao português, do historiador Peter Norton, intitulado “Autonorama, uma breve história sobre carros ‘inteligentes’, ilusões tecnológicas e outras trapaças da indústria automotiva”. Vale um destaque de exemplo detalhado no referido livro, sobre a busca incessante e histórica por uma automatização dos veículos, pelos quais se prometia eliminar acidentes e congestionamentos e sob todos holofotes do governo e mídia americana da época. Com muito custo, pesquisa e recursos, em um pequeno trecho de uma rodovia da Califórnia, conseguiu-se enfileirar um pelotão de 8 automóveis que se comunicavam entre si e estruturas magnéticas no piso da via, de modo que mantinham distâncias entre si automaticamente sem colidirem, assim revelando um passo para a o sonhado êxito do experimento. Norton resumiu que na melhor das hipóteses, os veículos em alta velocidade emulavam um trem ferroviário mais ineficiente do mundo, com 2 passageiros por vagão, cada um exigindo seu próprio motor e sistemas de alta tecnologia. Norton adverte que, mesmo diante da tecnologia automotiva, eletrônica ou robótica, uma simples chave de fenda não pode substituir um martelo nas funções de resolução de problemas, por isso as necessidades de mobilidade mais essenciais possam ser bem atendidas com as ferramentas que já temos, até porque a inovação real não é o mesmo que inovação de alta tecnologia. E que a sociedade atual, precisa participar das escolhas. Ainda na década de 1930, como solução às mortes, a engenharia passou a pensar em futuras rodovias infalíveis, capazes de eliminar acidentes e congestionamentos com alto nível de segurança, com o argumento, por exemplo, de que separação em nível nos cruzamentos e separação de fluxo de tráfego opostos eliminariam os problemas. Seriam respectivamente, as raízes do nosso gosto atual por trincheiras nas nos cruzamentos movimentados e por binários, avenidas ou pistas duplicadas? Ao longo desse tempo todo, os projetos rodoviaristas dentro e fora das cidades nos EUA e em outros países sob sua influência, levaram muitos a dirigir não por escolha, mas por necessidade, sobretudo devido a forte influência que os carros tiveram e ainda exercem sobre o modelo de urbanismo e desenvolvimento das cidades, criando distâncias e espaços desnecessários, limitando as condições básicas para o transporte coletivo e ativo, como a simples mobilidade de andar a pé ou de bicicleta. Diante desse contexto ilustrado por Norton e a eminente crise climática global, também não há como pensar um mundo sem rever a hegemonia do carro nas cidades e que o sustenta desde sempre.

Calçadas x Expobel

Se você foi a Expobel provavelmente percebeu que muitas pessoas caminhavam em meio às ruas de entorno do Parque de Exposições, a todo horá...